Joguiro*

JOGUIRO dormia e sonhava. A réstia de luz que já penetrava entre as tábuas, mostrava que ele também sorria. Não era para menos: achava bondosamente engraçado aquelas formigas cruzarem o velho tronco. para logo retornarem com as folhas em fardos verdes às costas, repisando a tora, ainda que a terra toda ali era um folhado verde.  Pôs-se a seguir aquela fileira, cumprindo, rigorosamente, o modelo ancestral que as formigas, indiferentes, esperam que suceda. Elas seguiam kilometricamente até desaparecerem nas entranhas de uma grande pedra. JOGUIRO, todo crispado instinto, tomou de uma varinha para escarafunchar aquele reino formigável, mas resolveu que não; e, sentado na pedra, pôs-se a chispar o chão com a vara. Ele sonhava livre e a réstia de luz ia tocando suavemente seus ombros em frêmitos sutis. JOGUIRO não viu de onde apareceram aqueles homens sujos e esfarrapados que estavam à sua volta e o encaravam com olhos duros. Esperavam dele alguma coisa, uma única possível. Resoluto, alçou uma vara em brado mudo e assim, posto chefe, o grupo debandou em missão. Gotas de suor brilharam no rosto de JOGUIRO que, dormindo, braço em riste, sonhava. Ao levantar-se da pedra, reparou que um do bando restara e o encarava firme, sendo, os olhos, folhas verdes cortadas. JOGUIRO, de pronto, estendeu-lhe a vara para, incontinenti, abdicar daquele comando fátuo. O outro deslizou a vara ao chão. JOGUIRO arrancou uma touceira de florzinhas roxas e a ofertou. Deitaram sobre a pedra que rolou, rolou, esmagando as formigas e todo o reino formigável. JOGUIRO, terrivelmente febril, sentou-se à pedra e pôs-se a escrevinhar em largas fibras os últimos acontecimentos. Estava já em outro lugar, transposto, perto de águas. A base de pedra, salpicada de musgo fresco e sementes coloridas, era úmida, sombreada por imensa árvore. Juntou os grãos em montinhos de três, com propósito, enquanto estandartezinhos verdes desciam-subiam do tronco enfurnando-se na grota de pedra, a seus pés. JOGUIRO dormia-sonhava e, à luz plena da manhã, via-se que sorria de lábios descolados, talvez fosse gargalhar. Tudo seria.

* JOãoGUImarãesROsa

Hai-kairana – Hai-kais roseanos

                                                                                          Trigal! Choupanas!                                                            clamam meus                                                                 cansados olhos planos

             ∞                                                                                                      No férreo lamaçal                                                                       a alma dos pés                                                               deambula

[“E correm conquistas, entrou outubro, multidões vão cain­do. Márion, tenho novidade… De setembro, 18. Outro cartão, a lápis: … E o pior é ter de avançar, dias inteiros, pela planície que nunca termina. Meus olhos já estão cansados. Raramente enxergo um trigal, choupanas. Chove, e a lama é aferrada, árdua…”]  O Mau humor de Wotan

 

Makita narra Cipango

a Makita, in memoriam

Makita é um pássaro um conjunto de penas envolvidas por um corpo      aparentemente frágil esvaziar a mente… Makita percorre a academia   a passos largos, inverossímeis para o tamanho do seu corpo…  a morte é doce quando se morre pela pátria, de desejos, de pensamentos…  sobretudo de pensamentos.. ocidental pensa muito Makita faz as contas vertiginosamente e as escreve rapidamente em um papel que passa para o copiloto, os corpos já estão aquecidos Makita conduz o katá número um todos participam amanhã  a missão há soldados e bandeiras todos gritam vivas ao imperador termina  a sequencia de golpes de cotovelo e Makita passa para o katá número 2 é a vez de Makita há um discurso de um general Makita pensa na vida depois da morte está envolvido em uma bandeira do Japão parte a primeira tripulação termina a sequencia de defesa da braços já estão no quarto katá quer mesmo morrer pelo imperador Makita se responde que é mil vezes melhor morrer em combate que capitular frente ao inimigo no último katá há uma série complexa de movimentos de defesa e ataque combinados participam somente os alunos avançados o grupo de Makita recebe mais uma bandeira do Japão karaté pacífico não de luta e sim de superação espiritual, aprender a usar o corpo como arma a e ao mesmo tempo a não se servir jamais dela o piloto dá partida Makita é o navegador é muito jovem tem sessenta anos  voa de um lado ao outro do salão da academia finaliza o último katá a aula termina vão até a bar tomar somente uma cerveja bebe água Makita antes de embarcar, o motor rosna e para vem o mecânico vem o senhor Sakamoto com um molusco de aperitivo para combinar com a  cerveja, 

O rosto da desonra essa dança de mulheres que os americanos denominam de luta deixar de lado o caratê um dois é o aquecimento depois vem a luta luta? as pernas dançam não permanecem fixas box uma luta covarde japoneses treinando box a cara de desonra. 

Caminha Makita pelo centro de Araçatuba pensa dez anos de agricultura Brasil país pacífico onde educar e ver crescer os filhos lembra Makita do último voo da academia de caraté em São Paulo da guerra da morte dos seus pais nos ataques com bombas incendiárias da raiva pelas  mortes da população civil dos seus pais do campo em que esteve confinado após a rendição davam comida obrigado pais pela educação que me deram porque sabia inglês e karaté naturalmente foi o escolhido pelos americanos para ensinar… box o sentimento da desonra pela imposição do box o futuro será a agricultura na chácara que acabou de comprar na região uma aposentadoria feliz trabalhando a terra militar aposentado como leram para ele no círculo de leitura da biblioteca da cidade a aposentadoria de Riobaldo um jagunço palavra difícil como ele também aposentado Rosa escritor importante do Brasil.

Avaria diz o mecânico em japonês, não conserto hoje, precisa de várias horas de trabalho para voar novamente o comandante da base pede outro avião com o molusco vem iscas de peixe cru não há nenhum porque todos foram usados nas missões do dia.

A partida da missão de Makita se posterga por 24 horas. No dia seguinte o Japão se rendeu e terminou a segunda guerra mundial.

Makita conta sua história por enésima vez – parece um sonho, pensa pensa: nunca mais vou ter dezenove anos, nunca mais estarei disposto a morrer assim pelo imperador e pela pátria. 

Os homens e mulheres precisam – preciso – de paz.

Caratée… pacífico.