Joãozito e a estrela guia – um conto de Natal

A visão era de pasmar!

Todos aqueles camelos ajoelhados, esbarrando nas coloridas e luxuosas túnicas de seus reis.

Joãozito, do alto da corcova de seu camelo, a dois metros e meio do chão, esfregando os míopes olhos, via que o deserto não era vazio, não!

E, até onde mais o pescoço espichava, ia contando o que via, aos seus incrédulos e resignados irmãos, que o seguiam a pé.

Sâo reis, sim e mais de três…”

Então não é que o Morro de Bento Velho justo faz fronteira com as Arábias! Só podia!

Desde lá atrás, longínquo, descendo o morro, via em miragem, naquele areal cintilante, liso imenso do deserto, um grande borrão, mas isso podia ser um truque de suas vistas.

Seus óculos estavam emprestados ao camelo, que, como ele, também era míope, mas apenas fora do deserto.

Passada a linha divisória terra/ areia, na aproximação, o borrão se decompunha em muitas manchas, que logo se transformaram em gentes.

Sua mãe e avó, Chiquinhas, penduravam tapetes coloridos num baobá e com força os batiam para tirar o pó de areia.

Os reis, ora dormiam, comiam, jogavam dados e alguns três escrutinavam os céus, com mapas e engenhosos instrumentos.

Agora recostados nos dorsos da camelada ruminante, os irmãos de Joãozito disputavam cuspes, ao que as Chiquinhas desérticas nem ligavam.

Então, era a vez das histórias e tinha aquela das miragens dos oásis, que Joãozito gostou demais, porque isso sempre também acontecia com ele quando via coisas; a do profeta Zaratustra que tinha nascido de uma planta e de um anjo e que quando nasceu riu tão alto que espantou os espíritos maus.

Aí, o trio de magos começou a falar sobre astros e desenhos no céu e a apontar a estrela guia que seguiam para encontrar o menino que estava no presépio do outro lado do deserto, nas bandas do Morro de Bento Velho, que era justo na casa de Joãozito.

Foi quando aqueles outros de turbantes desbotados e bêbados, começaram a empilhar suas moedas e logo camelos com máscaras assustadoras saíram a fungar com seus bafos insuportáveis e a acossar o camelo de Joãozito. Preparavam uma rinha tremenda entre camelos, abrindo apostas.

Com os dentes à mostra, bufando, dois camelos aproximam-se de Joãozito. Este recua, até que compreende que será impossível fugir, porque  seria trucidado pelas costas. Joãozito não sabe que fazer.

Seu animal é campeão em passar dias sem beber, em percorrer as mais longas distâncias, em receber com gratidão o açúcar da mão do seu amo, em aconchegar Joãozito nas noites frias do deserto, mas não possui espírito de luta. Sua natureza é fugir das encrencas. E agora não é mais possível. Os dois camelos bufam e batem com as patas o chão; treinados para o combate até o final, tornam-se ainda mais sanguinários quando compreendem que a vitória e morte do terceiro camelo será uma tarefa fácil. O camelo olha para Joãozito com desesperança, despedindo-se para sempre.

No alvoroço que se formava, as Chiquinhas energicamente recolheram as moedas, jogaram água nos camelos, que há muito não bebiam e tudo se acalmou.

Ao som de uma música mansa, entoada por um cantor de turbante cor de anil, com pedras de vidro coloridas, o acampamento adormeceu.

É alta noite e há aquela estrela brilhante. Joãozito acompanha com seu camelo os três que precisam seguir viagem e fala com eles fluentemente na língua de magos, inventando joãozitas histórias que alegram a jornada. 

Nas histórias de Joãozito há animais vistos e ignorados pelo homem, deuses e bruxos, guerreiros que lutam sem piedade e que choram de emoção porque conseguiram a vitória, há massas de desesperados seguindo ou fugindo dos exércitos, há bruxas e magas, há impuros queimados na fogueira, sua mãe que se aproxima da sua cama na noite tórrida para dar o beijo de boas noites, há cientistas, artesãos e médicos, um deles da Pérsia – Joãozito quer ser como ele -, infalível na cura e no diagnóstico, há épocas e o passar fugaz do tempo, há morte, luto e lágrimas, alegrias selvagens e ferozes, raros momentos de plenitude na vida antes da chegada da morte, todas as navegações, todas as existências com os naufrágios e sucessos, há o sorriso de uma criança, há línguas amigas e estranhas que aprendem com fervor, o amor, há o esconderijo embaixo do balcão da quitanda do seu pai e os relatos dos vaqueiros que um dia irá transcrever, as narrativas de ódio, a lembrança do Natal durante a guerra e do Natal em países alheios.

Há o desejo profundo de paz para todas as pessoas.

Em fim.

Há toda a poesia deste mundo.

Segue feliz e altivo, pois já sabe aonde tudo vai dar, guiados pela estrela.

Ao acordar, Joãozito corre para o presépio e os três magos, primeiro chegados, ofertavam seus presentes ao pequenino menino.