O Maquinista de Cordisburgo

Trilhos invisíveis alçam-me ao cimo, serpenteando a rosca do Morro.

Do alto, vejo e acompanho. Posso intuir, dispor, variar. Não invento nada. Apenas que, na longitude, a clarividência aflora e preside. Lá embaixo, nas vastas gerais planuras, até onde a vista alcança e para além, as cenas daquelas miniaturas sucedem-se incontroláveis, cruzáveis, enredáveis, inexoráveis. Se interfiro, como ás, é no restrito das intenções, sem esbarrar nas todas as linhas que o destino fia e porfia. Esquadrinho as veredas, mapeio as encruzilhadas, conto os tropéis, prescruto os pensamentos, ouço os gritos, o arfar dos corpos de cabeças suadas com bocas sedentas, as pulsações. Ali, a consigna da vingança pesando hereditária ou legatária desde roídos tempos, sobre seus desafortunados contemplados, longo distantes da vetusta ira. Aqui, sorrateiros, os finíssimos grão-amores de rotos jagunços descendo a ampulheta de tempo expedito.

Lá de Cordis, um menino sentado à porta da venda, em frente à estação, me acena, só ele me vê. E me aprova. Esse aceno me abençoa e me inspira.

Aquele mulherio rindo em cascatas, que ressoa até aqui, todas deitam-se com os rudes destas terras e as tenho, só por isso, como insuperáveis. Uma Miss, as brejeiras, virgens, velhas, moças, sonhadoras, enrugadas, beatas, curandeiras, benzedeiras, rezadoras, cortejadas, amadas, sonhadas, temidas, ocupam um ponto nodal.

A doideira que se espraia por estas matas não deixa espaço para nóveis acréscimos. Santos doidos peregrinos, de noites-dias, dormindo em grutas de pedra, em vestes de saco, falando coisa com nada, trocadilhos ao contrário, que convenho considerar, sempre.

Se fecho os olhos, continuo vendo as boiadas e repouso a vista no velho burrinho pedrês, condutor pródigo dos tempos, no falatório do gado, no azáfama das fazendas, nas preces, choros, castigos, promessas. Todos os acontecimentos, até o final, tropeçarão nas dúvidas, indolências, oportunismos, ambivalências, inconclusões, que circundam incessantes este Olimpo vago de deuses, envolvendo a tudo, numa névoa invisível que nunca se dissipará.

Outra vez, agora, a um brusco movimento meu neste promontório, um bando de pássaros põe-se em vôo descendente até as copas das muitas belas árvores, iniciando o tráfego interarboreal, cruzando, travessão, num átimo, o campo de visão de todos, ou deles pousando ao lado, coadjuvando cenários, inspirando quisquilhas.

Diferentes as águas. Correm, escorrem, limpas, turvas, voluptuosas, mansas, a seu bel prazer, em moto perpétuo. Eis todos os rios que daqui vejo como feixes brilhantes e margearão estórias.

Ah Sertão, essa metonímica locomotiva que me conduz!                                                                                          ∞